Absolvição de homem que tentou matar a ex-mulher mostra que um trem doido bateu no STF
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Absolvição de homem que tentou matar a ex-mulher mostra que um trem doido bateu no STF

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Redação O Antagonista
5 minutos de leitura 30.09.2020 12:55 comentários
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Absolvição de homem que tentou matar a ex-mulher mostra que um trem doido bateu no STF

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, leio no Estadão, absolveu um homem que tentou matar a ex-mulher a facadas, sob a alegação de "legítima defesa da honra". O crime ocorreu numa cidade do interior de Minas Gerais. Ele havia se separado dela na semana anterior, desconfiado de que estava sendo traído, e acabou por ter a suspeita confirmada. Enfurecido, atacou a moça com uma faca de serra, ferindo-a nas costas e na cabeça. O valentão fugiu, mas foi capturado. "Bateu um trem doido. Dei três facadas na minha ex, pois vi várias conversas amorosas no celular dela, sou trabalhador e não posso aceitar de forma alguma uma situação humilhante dessas", disse o agressor ao policial que o prendeu...  

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Absolvição de homem que tentou matar a ex-mulher mostra que um trem doido bateu no STF
Foto: Carlos Moura/SCO/STF

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, leio no Estadão, absolveu um homem que tentou matar a ex-mulher a facadas, sob a alegação de “legítima defesa da honra”. O crime ocorreu numa cidade do interior de Minas Gerais. Ele havia se separado dela na semana anterior, desconfiado de que estava sendo traído, e acabou por ter a suspeita confirmada. Enfurecido, atacou a moça com uma faca de serra, ferindo-a nas costas e na cabeça. O valentão fugiu, mas foi capturado. “Bateu um trem doido. Dei três facadas na minha ex, pois vi várias conversas amorosas no celular dela, sou trabalhador e não posso aceitar de forma alguma uma situação humilhante dessas”, disse o agressor ao policial que o prendeu.

Em 2017, julgado num tribunal do júri, como ocorre com crimes de sangue dolosos, ele foi absolvido por unanimidade. Os jurados concordam com a tese da “legítima defesa da honra” do advogado de defesa. Ouvido pelo Estadão, o causídico disse o seguinte:  “Ela era a mulher dele e estava fazendo sacanagem com ele. Não tinha necessidade de (ele) fazer isso. Mas fez, o que é que vai fazer? Mas ela fez um curativo no hospital e foi embora para casa. É uma história entre marido e mulher. Aleguei legítima defesa da honra. O sujeito confia na pessoa e ela sai para fazer uma coisa…Ele ficou aborrecido, se sentiu desonrado.” Simples assim.

O Tribunal de Justiça mineiro anulou a absolvição e determinou novo julgamento. O desembargador entendeu que “legítima defesa da honra” era argumento descabido para os dias de hoje e, apesar de os julgamentos por júri terem veredictos soberanos, os jurados não poderiam ser arbitrários e ignorar os autos. No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça manteve a anulação e, ontem, o STF decidiu que a decisão dos jurados não pode ser contestada.

O placar foi de 3 a 2. Dias Toffoli, Rosa Weber e Marco Aurélio Mello votaram pela manutenção da absolvição do agressor; Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes votaram contra. Marco Aurélio Mello disse: “Temos que a lei maior assegura a soberania dos veredictos. O que é julgamento pelo Tribunal do Júri? É o julgamento por iguais, é o julgamento por leigos, a partir dessa previsão constitucional.”  Alexandre de Moraes, por sua vez, argumentou que era perfeitamente constitucional haver outro julgamento por um tribunal do júri, uma vez que os jurados não podem ter um poder “incontrastável, ilimitado, sem qualquer possibilidade de revisão”.

A “legítima defesa da honra” não existe no ordenamento jurídico brasileiro. É uma aberração, apesar de já ter sido muito utilizada no passado. Um anacronismo inventado por um advogado esperto. O Brasil, sabidamente, é o país das coisas que não existem, mas há que ter limites ditados pelo tempo e costumes. Se a justificativa para a absolvição não existe, como é que o STF pôde manter essa decisão absurda, que contraria os autos do processo? Não é aceitável apegar-se à soberania do veredicto de jurados, prevista pela Constituição, se esses julgadores ignoraram confissão e provas materiais para concordar com uma justificativa inexistente. Aliás, essa história de tribunal do júri para julgar assassinos é enorme palhaçada a ser extinta. Uma dessas palhaçadas foi transmitida pela televisão, no final dos anos 70: o julgamento de Doca Street, que matou Ângela Diniz, sua namorada, com três tiros no rosto e outro na nuca, em 1976. No rosto, senhores, e na nuca. Desfigurou ao executar.

No primeiro julgamento, os jurados foram convencidos pelo advogado Evandro Lins e Silva de que a culpada era a vítima, a “Vênus Lasciva” conhecida pelo comportamento promíscuo. Doca Street pegou só dois anos. Diante da comoção geral, houve novo julgamento e Doca Street foi condenado a quinze anos de cana. Ou seja, a Constituição da ditadura militar não impediu que houvesse novo julgamento por um tribunal do júri, mas os ministros do STF se apegaram à Constituição de 1988, a da redemocratização, para manter a absolvição estapafúrdia do sujeito que tentou matar a ex-mulher.

No seu voto a favor da anulação do julgamento, Luís Roberto Barroso disse o seguinte:  “Se chancelarmos a absolvição de um feminicídio grave como esse, pode parecer que estamos passando a mensagem de que um homem, ao se sentir traído, pode esfaquear a sua mulher tentando matá-la em legítima defesa da honra ou seja lá em que tese se possa definir. Não parece que no século 21 essa seja uma tese que possa se sustentar”. Pois é, ministro, mas o fato é que voltamos ao tempo em que um homem podia matar em “legítima defesa da honra”. Bateu um trem doido nos seus colegas da Primeira Turma. Como outro já havia batido na Segunda, está tudo bem harmônico.

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