Roberto Campos, sobre a Petrossauro: "A falsa identificação entre interesse da empresa e interesse nacional"

09.04.2025

logo-crusoe-new
O Antagonista

Roberto Campos, sobre a Petrossauro: “A falsa identificação entre interesse da empresa e interesse nacional”

avatar
Redação O Antagonista
6 minutos de leitura 23.05.2018 18:41 comentários
Brasil

Roberto Campos, sobre a Petrossauro: “A falsa identificação entre interesse da empresa e interesse nacional”

Já reproduzimos uma vez, em 2015, um artigo magnífico de Roberto Campos sobre a Petrobras, publicado originalmente em 1999. Neste momento, vale a pena reproduzi-lo de novo. Quase vinte anos depois, ele continua atual na sua essência. Com vocês, Roberto Campos...

avatar
Redação O Antagonista
6 minutos de leitura 23.05.2018 18:41 comentários 0

Já reproduzimos uma vez, em 2015, um artigo magnífico de Roberto Campos sobre a Petrobras, publicado originalmente em 1999.

Neste momento, vale a pena reproduzi-lo de novo. Quase vinte anos depois, ele continua atual na sua essência.

Com vocês, Roberto Campos:

“Quando for escrita a história econômica do Brasil nos últimos 50 anos, várias coisas estranhas acontecerão. A política de autonomia tecnológica em informática, dos anos 70 e 80, aparecerá como uma solene estupidez, pois significou uma taxação da inteligência e uma subvenção à burrice dos nacionalistas e à safadeza de empresários cartoriais. Campanhas econômico-ideológicas como a do ‘o petróleo é nosso’ deixarão de ser descritas como uma marcha de patriotas esclarecidos, para ser vistas como uma procissão de fetichistas anti-higiênicos, capazes de transformar um líquido fedorento num ungüento sagrado. Foi uma ‘passeata da anti-razão’ que criou sérias deformações culturais, inclusive a propensão funesta às ‘reservas de mercado’.
A criação do monopólio estatal de 1953 foi um pecado contra a lógica econômica. Precisamente nesse momento, o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, mendigava um empréstimo de US$ 300 milhões ao Eximbank, para cobertura de importações correntes (inclusive de petróleo). A ironia da situação era flagrante: de um lado, o país mendigava capitais de empréstimos que agravariam sua insolvência, de outro, pela proclamação do monopólio estatal, rejeitava capitais voluntários de risco. Ao invés de sócios complacentes(cuja fortuna dependeria do êxito do país), preferíamos credores implacáveis (que exigiriam pagamento, independentemente das crises internas). Esse absurdo ilogismo levou Eugene Black, presidente do Banco Mundial, a interromper financiamentos ao Brasil durante cerca de dez anos (com exceção do projeto hidrelétrico de Furnas, financiado em 1958). Houve outros subprodutos desfavoráveis.
Criou-se uma cultura de ‘reserva de mercado’, hostil ao capitalismo competitivo. Surgiu uma poderosa burguesia estatal que, protegida da crítica e imune à concorrência, acumulou privilégios abusivos em termos de salários e aposentadorias.
Criou-se uma falsa identificação entre interesse da empresa e interesse nacional, de sorte que a crítica de gestão e a busca de alternativas passaram a ser vistas como traição ou impatriotismo.
Vistos em retrospecto, os monopólios estatais de petróleo, que se expandiram no Terceiro Mundo nas décadas de 60 e 70, longe de representarem um ativo estratégico, tornaram-se um cacoete de países subdesenvolvidos na América Latina, África e Médio Oriente. Nenhum país rico ou estrategicamente importante, nem do Grupo dos 7 nem da OCDE, mantém hoje monopólios estatais, o que significa que os monopólios não são necessários nem para a riqueza nem para a segurança estratégica.
Essas considerações me vêm à mente ao perlustrar os últimos relatórios da Petrossauro. Ao contrário de suas congêneres terceiro-mundistas, que são vacas-leiteiras dos respectivos Tesouros, a Petrossauro sempre foi mesquinha no tratamento do acionista majoritário. Tradicionalmente, a remuneração média anual do Tesouro, sob a forma de dividendos líquidos, não chegou a 1% sobre o capital aplicado. Após a extinção de jure do monopólio, em 1995 (ele continua de facto), e em virtude da crítica de gestão e da pressão do Tesouro falido, os dividendos melhoraram um pouco, ma non troppo.
Muito mais generoso é o tratamento dado pela Petrossauro à Fundação Petros, que representa patrimônio privado dos funcionários.
A empresa é dessarte muito mais um instituto de previdência, que trabalha para os funcionários, do que uma indústria lucrativa, que trabalha para os acionistas. Aliás, é duvidoso que a Petrossauro seja uma empresa lucrativa. Lucro é o resultado gerado em condições competitivas. No caso de monopólios, é melhor falar em resultados. Quanto à Petrossauro, se fosse obrigada a pagar os variados tributos que pagam as multinacionais aos países hospedeiros — bônus de assinatura, royalties polpudos, participação na produção, Imposto de Renda e importação — teria que registrar prejuízos constantes, pois é alto seu custo de produção e baixa sua eficiência, quer medida em barris/dia por empregado, quer em venda anual por empregado.

Examinados os balanços de 1995 a 1998, verifica-se que o somatório dos dividendos ao Tesouro (pagos ou propostos) alcançam R$ 1,606 bilhão, enquanto que as doações à Petros atingiram 2,054 bilhões.
Considerando que o Tesouro representa 160 milhões de habitantes e vários milhões de contribuintes, enquanto que a burguesia do Estado da Petrossauro é inferior a 40 mil pessoas, verifica-se que é o contribuinte que está a serviço da estatal e não vice-versa.
Nota-se hoje no Governo uma perigosa tendência de postergação das privatizações seja na área de petróleo, seja na área financeira, seja na eletricidade. É um erro grave, que põe em dúvida nosso sentido de urgência na solução da crise e nossa percepção dos remédios necessários. A privatização não é uma opção acidental nem coisa postergável, como pensam políticos irrealistas e burocratas corporativistas.É uma imposição do realismo financeiro. Há duas tarefas de saneamento imprescindíveis. A primeira consiste em deter-se o ‘fluxo’ do endividamento (o objeto mínimo seria estabilizar-se a relacão endividamento/PIB). Essa é a tarefa a ser cumprida pelo ajuste ‘fiscal’.
A segunda consiste em reduzir-se o estoque da dívida. Esse o objetivo da reforma ‘patrimonial’, ou seja, a ‘privatização’.
Não se deve subestimar a contribuição potencial da reforma patrimonial para a solução de nosso impasse financeiro.
Tomemos um exemplo simplificado.
Apesar da crise das Bolsas, a venda do complexo Petrossauro-BR Distribuidora poderia gerar uma receita estimada em R$ 20 bilhões.
Considerando-se que a rolagem da dívida está custando ao Tesouro 40% ao ano, uma redução do estoque em R$ 20 bilhões, representaria uma economia a curto prazo de R$ 8 bilhões. Isso equivale a aproximadamente 20 anos dos dividendos pagos ao Tesouro pela Petrossauro na média do período 1995-1998 (a média anual foi de R$ 401,7 milhões).
Se aplicarmos o mesmo raciocínio à privatização de bancos estatais e empresas de eletricidade, verificaremos que a solvência brasileira dificilmente será restaurada pela simples reforma fiscal. Terá que ser complementada pela reforma patrimonial.
É perigosa complacência a atitude governamental de que a reforma fiscal é urgente e a reforma patrimonial postergável. É dessas complacências e meias medidas que se compõe nossa lamentável, repetitiva e humilhante crise existencial.”

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Gilmar Mendes, agora, critica “consagração da impunidade”

Visualizar notícia
2

Cientistas desmentem retorno do lobo de Game of Thrones

Visualizar notícia
3

Crusoé: China amplia para 84% tarifas sobre produtos dos EUA

Visualizar notícia
4

O “Big Brother pulverizado” que virou empresa de segurança

Visualizar notícia
5

O “novo normal” após a destruição de Donald Trump

Visualizar notícia
6

Entenda o caso Embelleze

Visualizar notícia
7

Pequim rebate JD Vance após comentário sobre chineses

Visualizar notícia
8

Os países estão ‘puxando o meu saco’ para fechar um acordo, diz Trump

Visualizar notícia
9

As sutis diferenças que elevam o metro quadrado para R$ 50 mil

Visualizar notícia
10

Guerra tarifária derruba bolsas asiáticas e pressiona mercados globais

Visualizar notícia
1

Gilmar Mendes, agora, critica “consagração da impunidade”

Visualizar notícia
2

O “novo normal” após a destruição de Donald Trump

Visualizar notícia
3

A próxima jogada de Kasparov

Visualizar notícia
4

Em queda, Lula se 'lembrou' da segurança pública?

Visualizar notícia
5

Guerra tarifária derruba bolsas asiáticas e pressiona mercados globais

Visualizar notícia
6

TRE-GO derruba inelegibilidade de Caiado

Visualizar notícia
7

Joe Rogan contra Donald Trump

Visualizar notícia
8

Crusoé: "Um erro atrás do outro", diz China ao rebater tarifas de Trump

Visualizar notícia
9

Crusoé: China amplia para 84% tarifas sobre produtos dos EUA

Visualizar notícia
10

Os países estão 'puxando o meu saco' para fechar um acordo, diz Trump

Visualizar notícia
1

Revista Esquire chega ao Brasil

Visualizar notícia
2

Crusoé: Lula na Celac em pleno tarifaço não tem como dar certo

Visualizar notícia
3

Meio-Dia em Brasília: Cai mais um ministro do governo Lula

Visualizar notícia
4

Crusoé: Chineses na Ucrânia são voluntários ou soldados profissionais?

Visualizar notícia
5

O ministro do TCU que viajou mais do que Lula ao exterior

Visualizar notícia
6

Joe Rogan contra Donald Trump

Visualizar notícia
7

China nega que soldados chineses estejam lutando nas forças russas

Visualizar notícia
8

Contra Trump, Lula posa de defensor do livre mercado

Visualizar notícia
9

Rio decreta feriado em 7 de julho para Cúpula do BRICS

Visualizar notícia
10

Dólar sobe a R$ 6,08 com guerra tarifária entre EUA e China

Visualizar notícia

logo-oa
Assine nossa newsletter Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Petrobras
< Notícia Anterior

URGENTE: JUSTIÇA DETERMINA USO DA POLÍCIA CONTRA CAMINHONEIROS

23.05.2018 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Moro manda prender Delúbio

23.05.2018 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Redação O Antagonista

Suas redes

Instagram

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Dicas para embarque prioritário no Aeroporto de Guarulhos

Dicas para embarque prioritário no Aeroporto de Guarulhos

Visualizar notícia
Uma mensagem de texto pode te roubar sem que você perceba

Uma mensagem de texto pode te roubar sem que você perceba

Visualizar notícia
Cantor é procurado por agredir brutalmente a namorada

Cantor é procurado por agredir brutalmente a namorada

Visualizar notícia
Operação prende ex-árbitro por manipulação de jogos

Operação prende ex-árbitro por manipulação de jogos

Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.