Gilmar não poderia mandar recados a Moro
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Gilmar não poderia mandar recados a Moro

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Mario Sabino
6 minutos de leitura 13.12.2021 11:25 comentários
Opinião

Gilmar não poderia mandar recados a Moro

No espaço de poucos dias, o ministro Gilmar Mendes enviou três recados a Sergio Moro, por meio de um novo porta-voz na imprensa, colunista de uma revista tão simpática a André Esteves que parece ser do banqueiro. No primeiro deles, disse "a interlocutores" que iria esperar "o momento oportuno" para "bater nele". O segundo recado foi uma ironia. No dia em que Deltan Dallagnol se filiou ao Podemos, o ministro afirmou -- sempre "a interlocutores" -- que "Moro e o Deltan estão convertendo a união estável em casamento"...

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Mario Sabino
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Gilmar não poderia mandar recados a Moro
Foto: José Cruz/Agência Brasil

No espaço de poucos dias, o ministro Gilmar Mendes enviou três recados a Sergio Moro, por meio de um novo porta-voz na imprensa, colunista de uma revista tão simpática a André Esteves que parece ser do banqueiro. No primeiro deles, disse “a interlocutores” que iria esperar “o momento oportuno” para “bater nele”. O segundo recado foi uma ironia. No dia em que Deltan Dallagnol se filiou ao Podemos, o ministro afirmou — sempre “a interlocutores” — que Moro e o Deltan estão convertendo a união estável em casamento“.

A mensagem mais pesada, no entanto, e que antecipou o que Gilmar Mendes quis dizer com “bater nele” no “momento oportuno”, foi transmitida no fim de semana — e sempre por meio do novo porta-voz. O sujeito publicou o seguinte:

“Nas conversas que tem com interlocutores no STF, o ministro Gilmar Mendes não deixa passar o fato de Sergio Moro ter saído milionário da sua passagem por uma consultoria nos Estados Unidos. Moro e a empresa não abrem os valores — é fato que Moro ganhou um bom dinheiro –, mas… Se a informação que chegou ao ministro do Supremo for verdadeira, a carreira de Moro na iniciativa privada garantiu ao ex-juiz da Lava Jato uma fortuna maior que a declarada por Lula em sua fase de palestrante de empreiteiras. Gilmar tem dito que Moro ficou rico depois de ter ‘quebrado as empresas brasileiras concorrentes das empresas dos Estados Unidos na Petrobras’. O fato de as empresas brasileiras terem montado suas organizações a partir de sistemas paralelos de pagamento de propina a políticos não entra na crítica, claro. Mas a fala é dura. ‘O Sergio Moro juiz prenderia o Sergio Moro consultor?’, costuma provocar o ministro.”

Eu não sei se Sergio Moro ficou milionário — ou “multimilionário”, como está no título da nota (falta de editor é um problema). Esperemos que ele declare o seu patrimônio total à Justiça Eleitoral, se vier mesmo a ser candidato. Mas o novo porta-voz já dá como fato que Sergio Moro é milionário, o que faz pensar que a ordem na revista é para os repórteres irem atrás do dinheiro que o ex-juiz ganhou na consultoria ou em outras atividades.  Tudo bem, do ponto de vista do jornalismo. A questão, porém, não é quanto ele ganhou e sim como ganhou. Ganhar muito dinheiro honestamente não é crime, mas abrir uma manchete com a chamada “Moro multimilionário” será suficiente para causar dano eleitoral ao pré-candidato — e oportunidade para que Gilmar Mendes “bata nele” em público, com o papo furado de que o ex-juiz quebrou empresas para beneficiar-se pessoalmente e fazer Moro parecer pior do que Lula. Como há muitos ladrões no Brasil, boa parte deles em liberdade graças ao ministro, inclusive o chefão petista, criminalizou-se o dinheiro (não os criminosos na política). O quadro fica ainda mais pitoresco quando a criminalização parte de quem é rico, ele próprio. De acordo com a Crusoé, o patrimônio de Gilmar Mendes era de 20 milhões de reais, em 2019.

O dado mais grave é que Gilmar Mendes não deixa a toga, para assumir-se de vez como político. Como ministro do STF, ele jamais poderia dizer o que diz, seja diretamente ou por meio dos seus porta-vozes na imprensa. É inadmissível que um juiz possa afirmar que esperará o momento oportuno para bater em alguém. Não é atitude de magistrado, é reação de político. Os seus julgamentos verbais sumários nada têm ver com a profissão que teima exercer. Já tive experiência pessoal com Gilmar Mendes. Certa vez, ele me acordou num sábado, com um telefonema. Estava fulo porque O Antagonista havia publicado uma notícia sobre a sua mulher. Acusou o site de “especular com a notícia”, aquela baboseira inventada primariamente por petistas, e ameaçou nos processar. Respondi que um ministro do STF não poderia dar esse tipo de telefonema e que eu não admitia acusações mentirosas.

Eu adoraria de verdade que Gilmar Mendes entrasse formalmente na política. Repito o que afirmei em outro artigo:

“Política é o que Gilmar Mendes vem fazendo desde há muito. Ele tem gosto pela coisa e, reconheçamos, talento. Conversa com políticos fora da agenda, visita reservadamente palácio presidencial, recebe presidentes na sua casa, faz festa de aniversário para político, tece considerações políticas nos seus votos e entrevistas, planta notinhas na imprensa, cerca-se de políticos, como no fórum que ocorre neste momento, e muda de opinião igualzinho a qualquer político brasileiro. Política, política, política. Gilmar Mendes até elaborou uma PEC para a instauração do regime semipresidencialista no Brasil — que recebeu o carimbo de “urgente” no Senado e foi publicada por engano, em 2017. Pois é, o amor de Gilmar Mendes pela arte da política é tanto que, corajosamente, ele fez o que não podia: tentar mudar a Constituição que jurou defender como ministro do Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, cogitou-se que ele queria virar primeiro-ministro, uma vez que, pela proposta, a Câmara poderia escolher uma pessoa sem mandato para ocupar o cargo. Muito justo.

Alguém poderia perguntar: se Gilmar Mendes já é um dos homens mais poderosos do país, o que ele ganharia deixando o Supremo Tribunal Federal, para ingressar na arena política? Não é essa a questão, senhores. A pergunta não é o que o Brasil pode fazer por Gilmar Mendes, mas o que Gilmar Mendes pode fazer pelo Brasil.”

Se o ministro quiser enfrentar Sergio Moro ou qualquer outro político, que seja nas urnas ou no Congresso. Jamais do seu assento no Supremo Tribunal Federal, instituição que defendo como partidário da democracia representativa, apesar de já ter sido vítima de alguns dos seus integrantes.

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Mario Sabino é jornalista, escritor e sócio-fundador de O Antagonista. Escreve sobre política e cultura. Foi redator-chefe da revista Veja.

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