Não dá para discutir nazismo, meninada
Em matéria de censura, tenho "lugar de fala". Tive a Crusoé censurada pelo ministro Alexandre de Moraes, fui parar duas vezes na Polícia Federal, na condição de jornalista que publicou reportagens verdadeiras, uma delas como redator-chefe da Veja (não tenho notícia de outro jornalista que tenha passado pela mesma situação), e atuei na linha de frente contra a criação do Conselho Federal de Jornalismo, em 2004, aquela invenção do Partido dos Trabalhadores para amordaçar a imprensa...
Em matéria de censura, tenho “lugar de fala”. Tive a Crusoé censurada pelo ministro Alexandre de Moraes, fui parar duas vezes na Polícia Federal, na condição de jornalista que publicou reportagens verdadeiras, uma delas como redator-chefe da Veja (não tenho notícia de outro jornalista que tenha passado pela mesma situação), e atuei na linha de frente contra a criação do Conselho Federal de Jornalismo, em 2004, aquela invenção do Partido dos Trabalhadores para amordaçar a imprensa. Por causa das minhas posições, tive a minha reputação enlameada por blogueiros sujos petistas, neolulistas e bolsonaristas (e a lama continua a ser atirada). Sou ardoroso defensor da liberdade de expressão, como já demonstrei inúmeras vezes.
Fiz a introdução apenas para que ninguém interprete mal o que vou dizer sobre o que acabo de assistir: um rapaz chamado Monark (foto), secundado por Kim Kataguiri, discutindo com Tabata Amaral, num canal chamado Flow, sobre liberdade de expressão e nazismo. Como sou ignorante em matéria de redes sociais (atuo apenas no Twitter, afora participações semanais no Papo Antagonista), não conhecia o canal. Fui conhecer o Flow porque o pré-candidato Sergio Moro deu uma entrevista lá. Soube depois que um dos patrocinadores da entrevista foi um site que anuncia os serviços de garotas de programa. Talvez porque tenha quase 60 anos, achei estranho. Não importa: o canal tem milhões de seguidores, parece que faz dinheiro e o fato de achar certas coisas estranhas é apenas uma limitação pessoal minha. Porque o Flow tem um alcance enorme, sinto-me obrigado a falar sobre o que assisti — um espetáculo de ignorância deprimente.
Como publicamos há pouco, Monark afirmou que os nazistas deveriam ter um partido político reconhecido por lei no Brasil.
“Eu acho que a esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical. Eu acho que as duas tinham que ter espaço. Eu acho que o nazista tinha que ter um partido político reconhecido pela lei“, disse ele. Ao ser questionado por Tabata Amaral, que lembrou o Holocausto, Monark perguntou se “as pessoas não têm o direito de ser idiotas” e prosseguiu mo assunto. Afirmou, então, que não era para legalizar o partido nazista, mas que “o nazismo não necessariamente incita à violência, ele incita à supremacia de uma raça, o que eu acho uma merda”. Interrompido por Tabata Amaral, que apontou que a incitação se dava pelo “extermínio de outra raça”, Monark respondeu que isso era “uma extrapolação do nazismo”.
Kim Kataguiri, por sua vez, afirmou que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo e que as opiniões não devem ser reprimidas. “O que eu defendo é que, por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que [seja] o [que o] sujeito defenda, isso não deve ser crime. Por quê? Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória é você dando luz àquela ideia, para que aquela ideia seja rechaçada socialmente e, então, [seja] socialmente rejeitada”, disse ele.
Nesta manhã, Kim Kataguiri disse que a sua fala foi distorcida. “O que eu realmente disse sobre o nazismo: muito melhor expor a crueldade dessa ideologia nefasta para que todos vejam o quanto ela é absurda. Sufocar o debate só faz com que grupos extremistas cresçam na escuridão e não sejam devidamente combatidos e rechaçados”, escreveu no Twitter.
Não há “debate” possível sobre nazismo, meninada. O nazismo era — e é — uma aberração que prega ESSENCIALMENTE o extermínio de etnias, de pessoas deficientes e de cidadãos que não sejam heterossexuais. Não apenas prega, como levou a cabo o seu propósito, depois que Adolf Hitler ascendeu ao poder. O alvo principal do ódio nazista foram os judeus, praticamente dizimados na Europa, a maior parte deles em complexos construídos para massacrar em escala industrial. Mesmo com a guerra já perdida, os nazistas continuaram a assassinar judeus em massa até o último momento, por ordem de Hitler. Eles foram desumanizados pela doutrinação e mortos como se fossem praga. É escandaloso que alguém possa dizer, portanto, que o nazismo “não incita à violência” e que o antissemitismo é “uma extrapolação do nazismo”.
Alguém poderá indagar: e os assassinatos cometidas pelo comunismo? Duas monstruosidades não fazem um acerto, nem de um lado nem de outro. O ponto que deveria ser pacífico é que, ao eleger como alvos de destruição total determinadas etnias, seres humanos com problemas físicos e mentais e pessoas com orientações sexuais diversas, as ideias nazistas são inaceitáveis de qualquer ponto de vista moral ou político. Não passam de apologia a crimes contra a humanidade e a sua formalização em programa de partido político é inconstitucional. Encontram-se fora do campo do debate ideológico e, portanto, do domínio da liberdade de expressão. Usar o livro Minha Luta, de Adolf Hitler, como ilustração histórica, para mostrar a sua perversidade essencial, é uma coisa até necessária. Algo bem diferente é permitir que ele seja utilizado para fazer lavagem cerebral e achar que, com a lavagem feita, será possível reverter o dano por meio de discussões.
As pessoas têm o direito, sim, de ser idiotas. Mas o nazismo não é uma idiotice. É um tumor que a idiotice pode reviver. O espetáculo de ignorância proporcionado no canal Flow foi deprimente. Monark não é nazista. É mais um jovem brasileiro ignorante que acha que tudo pode virar “debate”. Ao defender a difusão de ideias nazistas, ele dá pretexto a gente autoritária que quer matar a liberdade de expressão.
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