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Miguel Sanches Neto
4 minutos de leitura 02.04.2021 14:32 comentários
Opinião

Os 30 Bolsonaros

Um dos livros mais emblemáticos dos anos 1970 é o romance humorístico de Moacyr Scliar, O exército de um homem só. O personagem, simbolicamente, é um comunista enlouquecido que quer criar um mundo próprio, o Capitão Birobidjan, que faz a sua pregação de forma solitária e que se vê como uma força política, despertando o riso do leitor. Como a realidade não se cansa de copiar os personagens da ficção, a trajetória do capitão Jair Messias Bolsonaro, desligado prematuramente do Exército Brasileiro, foi marcada por este sentimento de que ele, sozinho, mudaria o Brasil...

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Os 30 Bolsonaros
Foto: Reprodução

Um dos livros mais emblemáticos dos anos 1970 é o romance humorístico de Moacyr Scliar, O exército de um homem só. O personagem, simbolicamente, é um comunista enlouquecido que quer criar um mundo próprio, o Capitão Birobidjan, que faz a sua pregação de forma solitária e que se vê como uma força política, despertando o riso do leitor.

Como a realidade não se cansa de copiar os personagens da ficção, a trajetória do capitão Jair Messias Bolsonaro, desligado prematuramente do Exército Brasileiro, foi marcada por este sentimento de que ele, sozinho, mudaria o Brasil. Como um Capitão Birobidjan da direita, fundou o seu exército de um homem só, e começou a sua pregação afirmando como positivo tudo que era aberração. Da tortura à discriminação de gênero. O que não se poderia imaginar é que esta figura quixotesca, em sua cruzada contra princípios estruturantes da democracia, chegaria à Presidência.

Como sua ascensão é baseada neste persona, que ele cultivou por décadas, o do capitão que é um exército inteiro, a sua eleição unificou discursos, que se tornaram virais, patrocinados por todos que querem representar o papel do pseudo-herói. Cada opinião dele vinha com um código: siga o mestre. E adormecidos intelectualmente clicavam a tecla “compartilhar” na internet.

Na presidência, Bolsonaro criou a ideia de que não devia sua eleição a ninguém, a nenhum grupo político, pois ele tinha sido eleito sozinho, por uma política de virilização espontânea. Não montou um governo de indicações políticas nem de técnicos, mas de seguidores cegos. Nunca a fotografia oficial do Presidente teve um peso castrador tão grande nas repartições e nas entrevistas coletivas. Atrás do ministro ou de qualquer outro cargo de importância, vê-se, na parede, a figura centralizada do mandatário, com sua faixa presidencial. E os ministros só podem falar e pensar o que o capitão quer. O presidente é assim todos os seus ministros. Está no lugar de comando de todos os cargos. Multiplica-se em cada um de seus ungidos e se torna especialista em generalidades em todas as áreas, da saúde à política internacional.

O presidente compôs o governo de um homem só, obrigando que todos coloquem no rosto a máscara de papelão com a sua face. O que afirma o Ministro da Saúde sobre vacinas? Exatamente o que o presidente quer que ele fale naquele momento. Este grau zero de autonomia tem levado a trocas corriqueiras de comando em cargos-chave. 

A substituição por atacado, nesta semana, do comando das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) revela esta identidade monopolizadora que nega a hierarquia tão prezada no meio. Ele queria mostrar que quem manda na tropa não seriam mais os generais ou outros altos oficiais de comando, mas o capitão à frente de seu exército tanto militar quanto paramilitar. No caso das Forças Armadas, Bolsonaro tentou, mas não conseguiu atingir o seu objetivo.

Umas das experiências mais importantes da história da fotografia brasileira é a montagem do fotógrafo Valério Vieira (1862 – 1941). Chama-se “Os trinta Valérios”, preparada para a Exposição Universal de Saint Louis, nos Estados Unidos, em 1904, e que mostra o autorretrato do artista disseminado na face de todos que estão na apresentação de uma orquestra. Garçons, músicos, plateia e o próprio maestro são uma única pessoa, o fotógrafo. Na parede, os retratos pendurados são ainda do Valério. Não existe melhor metáfora para o governo atual. Só há espaço para clones do Presidente. Todos são uma única pessoa. O que indica que ele está cada vez mais só.

Miguel Sanches Neto é escritor, autor, entre outros romances, de Um Amor Anarquista (Grua Livros, 2020).

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